Muito antes do sucesso, ele foi o CEO da Netflix

Santa Cruz, Califórnia – Muito antes das maratonas de seriados, da guerra de streaming e do “vamos assistir à Netflix“, havia dois caras que trabalhavam na Highway 17 – a estrada da Califórnia que liga Santa Cruz ao Vale do Silício –, tentando bolar o próximo grande sucesso.

Um deles era Marc Randolph, empreendedor e especialista em marketing que havia sido um dos cofundadores de uma startup, a Integrity QA. O outro era Reed Hastings, então o chefe da empresa de software Pure Atria.

Era 1997. Randolph, cuja startup tinha sido adquirida pela Pure Atria, fazia a maior parte do marketing. Comida de cachorro personalizada, tacos de beisebol personalizados, xampu personalizado – tudo vendido pela internet e entregue pelo correio.

Hastings era o que tinha o dinheiro e a habilidade de destruir ideias sem se preocupar com mágoas.

Eles se imaginavam desafiando a gigante do vídeo, a Blockbuster, com um negócio de videocassete pelo correio, mas perceberam que isso custaria muito caro. Finalmente, acharam ter descoberto algo: DVDs, vendidos e alugados on-line e entregues aos clientes pelo correio.

Embora poucas pessoas tivessem leitores de DVD na época, eles foram em frente, com Randolph como o executivo-chefe e Hastings como o presidente apoiando a operação. Os possíveis nomes da companhia incluíram TakeOne, NowShowing e NetPix. Finalmente, concordaram com NetFlix, que mais tarde se tornou Netflix.

O conto de como a empresa conseguiu vencer a Blockbuster e sobreviver ao estouro da bolha ponto-com é o assunto de Randolph em “That Will Never Work”, um livro lançado em setembro pela Little, Brown. Em parte um livro de memórias, em parte um guia para novos empreendedores, ele conta a história da Netflix como uma pequena startup, desde as sessões de brainstorming até o grande sucesso, antes de gastar bilhões em conteúdo original e ter 151 milhões de assinantes em todo o mundo.

“That Will Never Work” também acaba com a mitologia da origem da Netflix: a história de que Hastings fundou a empresa ao se revoltar com a taxa de US$ 40 que a Blockbuster cobrou dele pelo atraso na devolução de “Apollo 13”.

“As pessoas querem que eu acabe com a história do Reed, e digo: ‘Não, de forma alguma! É uma boa história.’ Tenho certeza de que é o mesmo que aconteceu a Newton, que de fato não descobriu a gravidade quando uma maçã lhe caiu na cabeça”, disse Randolph em uma entrevista.

Em um dia quente de verão, ele estava na varanda de sua casa em Santa Cruz, parte de uma propriedade de 20 hectares com vinhedo próprio. Sentados com ele, estavam sua esposa de 32 anos, Lorraine, e um labrador animado, Indi. O Audi Q7 na garagem tem uma placa vaidosa: NTFLX. E a do Toyota Tacoma é NETFLIX.

Randolph, de 61 anos, deixou a Netflix em 2003, cinco anos depois que Hastings assumiu as atividades. No livro, ele diz que suas habilidades eram mais adequadas para uma startup do que para uma empresa de sucesso.

“Ao contrário de mim, Reed não é apenas um executivo-chefe fenomenal no estágio inicial – ele é tão bom quanto um CEO de uma empresa consolidada, ou ainda melhor”, diz Randolph.

Os funcionários da Netflix em seus primeiros dias não tinham horário definido nem férias garantidas. O mesmo acontece hoje. Havia também uma cultura corporativa de “honestidade radical” que também persiste. Os funcionários avaliam um ao outro e são incentivados a analisar as decisões estratégicas. As informações salariais são transparentes.

Randolph, que cresceu em Chappaqua, Nova York, foi para o Vale do Silício na década de 1980. Seu pai era um engenheiro nuclear que acabou virando conselheiro financeiro. Sua mãe dirigia sua própria firma imobiliária. O marketing estava em seu sangue. Seu tio-avô é Edward Bernays, sobrinho de Sigmund Freud e muitas vezes chamado de “o pai das relações públicas”. Bernays é o nome do meio de Randolph.

Randolph descreve uma noite em 1998 em que enfrentou uma grande dose da honestidade radical da Netflix. Aconteceu depois de uma conversa com um investidor, que não foi muito bem, e de um acordo de promoção com a Sony, que deu horrivelmente errado. Hastings pediu para ver Randolph sozinho e lhe apresentou um PowerPoint detalhando as razões pelas quais ele não estava mais apto a ser o executivo-chefe.

No livro, Randolph descreve sua reação à apresentação surpresa: “Não vou ficar sentado aqui vendo você me dizer por que sou ruim.”

Hastings fechou seu laptop Dell. Ao fim da conversa, Randolph foi para a presidência, e Hastings assumiu o cargo de executivo-chefe. Como parte do rebaixamento, Hastings convenceu Randolph a abrir mão de 650 mil ações, o que reduziu sua participação na Netflix para 15 por cento.

“Fazer isso com um PowerPoint talvez não tenha sido um gesto muito empático, mas ele estava certo”, disse Randolph com uma risada.

O episódio, como descrito no livro, ajuda a formar um retrato de Hastings como alguém cuja franqueza é mais resultado de saber do que um negócio precisa do que de crueldade interior.

“O que realmente quero do livro é mostrar Reed como uma pessoa real. Espero que mostre que tenho um tremendo respeito e carinho por ele, não amargura. A maioria das pessoas não teria força para dizer isso. Mas ele reconheceu que era a coisa certa para a empresa”, disse Randolph.

Hastings não quis fazer comentários para este artigo, além desta afirmação: “Marc é um excelente escritor e contador de histórias e foi um cofundador e parceiro ainda melhor.”

Randolph também dedica muitos parágrafos a uma frase muito ouvida na Netflix, “O Princípio Canadá”, que ele e outros usavam sempre que a empresa parecia estar em perigo de se desviar de seu foco principal.

Ela surgiu de uma decisão antecipada de não enviar DVDs para o Canadá. Randolph e outros argumentaram que o esforço não valeria a pena, em parte devido a complicações provocadas pelo uso de duas moedas.

O Princípio Canadá também apareceu na decisão da companhia de encerrar as vendas de DVDs, embora fossem rentáveis, em favor dos aluguéis, que pareciam ser o futuro. E foi usado mais uma vez em 2000, quando a Netflix acabou com o aluguel de DVDs para não assinantes.

Latest Consumer Technology Products On Display At CES 2016 Reed Hastings, presidente da Netflix

Reed Hastings, presidente da Netflix (Ethan Miller/Getty Images)

Hoje, o princípio parece ter guiado a relutância da Netflix em ceder às exigências dos grandes donos de cinemas, que exigem direitos exclusivos para os filmes que exibem por aproximadamente 90 dias. Em agosto, a Netflix mostrou que continuaria a focar seus assinantes quando decidiu liberar um de seus maiores filmes, “The Irishman”, de Martin Scorsese, para as salas de cinema independentes e de pequenas cadeias, atitude que permitiu que a empresa transmitisse o filme 3,5 semanas após a estreia.

“Isso se encaixa nesse padrão de dizer que você opta por aquilo em que é bom e se concentra nisso. Você escolhe o que seus clientes querem, não o que seu modelo de negócios exige que você faça”, disse Randolph.

Randolph não tem mais nenhuma conexão com a Netflix. Ele conta que ainda possui algumas ações, principalmente por razões sentimentais, e paga a assinatura mensal como todos os outros. Contou que seus favoritos são “Ozark” e “Narcos”, e insistiu que não tinha opinião formada sobre a relação da Netflix com Hollywood, sua dívida ou seu caminho para a rentabilidade.

Sua propriedade, que ele comprou por menos de US$ 1 milhão em 1997, de acordo com seu livro, agora funciona como sede informal de seu negócio de coaching corporativo, dando-lhe a oportunidade de ter um pé no próximo grande negócio. Sete anos atrás, ele se juntou à Looker, empresa de análise de dados de Santa Cruz, como funcionário nº 3 com o título ABC – sigla em inglês para “qualquer coisa menos programação”. Em junho, o Google comprou a Looker por US$ 2,6 bilhões.

Ele sente falta do antigo emprego?

“Provavelmente do mesmo jeito que você sente falta de férias no Havaí. Há coisas das quais você gosta muito, mas, se tivesse de fazê-las o tempo todo, poderia dizer: ‘Não é exatamente isso que sonhei.’”

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